Por um maior protagonismo científico-pedagógico dos estudantes no futuro da Universidade
Pela
dinâmica das interações sociais e dos fluxos da vida social, temos
assistido à difusão vertiginosa de um vírus singular, que não só se
espalha pelos sítios mais distantes como nos vem bater à porta, pelos
caminhos mais surpreendentes. Contemplamos diariamente uma ameaça global
dada em espetáculo noticioso, mas que pode estar já dentro do nosso
círculo de relações, para não dizer dentro da nossa casa.
Em
escassos meses as rotinas eclipsaram-se, os alicerces da vida
quotidiana foram abalados e o grau de imprevisibilidade cresceu
exponencialmente. A saúde, a segurança, as relações sociais e
profissionais, a liberdade de circulação, as condições de trabalho, o
sentido da vida – tudo passa a ser reavaliado numa outra escala. O
cuidado de si e dos outros adquire uma centralidade tal que nele se pode
decidir da vida e da morte.
Mas
talvez o que mais se tem agigantado nesta crise pandémica é a
brutalidade das desigualdades sociais, das velhas e das novas
desigualdades. Os que não podem confinar-se; os que vivem e os que
morrem sozinhos; os que perderam ou temem vir a perder o trabalho; os
que desatinam com tanta ou tão pouca informação (que, por vezes, é
desinformação); os que não sabem como ou a quem pedir ajuda. Aos velhos
pobres estruturais, somam-se os novos pobres que vivem na angústia de
não saber o que fazer da vida.
Permita-se
que sejam destacados dois grandes grupos sociais que são, no atual
contexto, aqueles que mais riscos correm: os mais velhos, cada vez em
maior número, que vimos, tantos deles, apanhados à má-fila, pelas ondas
de choque da pandemia, expondo as chagas medonhas de abandono, descarte e
mesmo maus tratos; e, por outro lado, os mais jovens, ainda a
restabelecer-se da crise dos inícios da segunda década deste século, que
veem o quotidiano subvertido e, o que é bem mais, a precariedade a
crescer e o futuro a fechar-se em nuvens negras.
O
Instituto de Ciências Sociais, nos seus prometedores 44 anos, vive e
age no seio deste verdadeiro tsunami e não vai – não pode – virar as
costas aos desafios que estão a emergir. Já agora, mas especialmente
quando a vacina surgir e os tempos da emergência amainarem, vão aparecer
novas 'linhas da frente', onde se vai construir e decidir o futuro. E,
nessa linha da frente, as Ciências Sociais, ao lado de outras ciências,
vão ter de assumir um papel de primeiro plano, no forjar de formas que
permitam responder à crise e inventar o futuro.
Teremos
de nos posicionar como quem tem um papel a desempenhar e não como quem
espera que existam as condições tidas por necessárias para exercer esse
papel. Nós temos de ser atores desse processo, sob pena de nos tornarmos
irrelevantes.
Mais:
para que os caminhos a percorrer tenham solidez e sentido, é vital que,
na busca de soluções e caminhos, os jovens estudantes sejam parte
decisiva, desde a conceção até à realização dos projetos. É preciso
dar-lhes espaço e voz, no âmbito pedagógico e científico, porque sem
eles como atores no presente pós-pandémico, não podemos esperar que
sejam protagonistas do/no futuro.
Claro
que um caminho destes supõe uma revolução da e na Universidade. Nos
métodos, nos processos, nas formas organizativas, nos recursos, nos
tempos e nos espaços. Tem de colocar os estudantes e os desafios sociais
no centro das suas opções estratégicas, e não a rentabilidade e o
mercado. A Universidade tal como tem vindo a estruturar-se nas últimas
décadas está, em grande medida, a preparar estudantes para um mundo que
está a ruir ou já não existe. Se quiser tornar-se um ator relevante, vai
ter de mexer-se e mexer com muitos interesses instalados. Contudo, ou
faz por si essa opção ou será, mais tarde ou mais cedo, forçada pelas
circunstâncias a fazê-lo.